quarta-feira, 8 de abril de 2015

Teste Cego #2

No mês passado a cervejaria curitibana DUM lançou no Festival Brasileiro da Cerveja, em Blumenau, o kit DUM Petroleum Madeira, o qual contém uma versão padrão da já consagrada Dum Petroleum (se não a melhor, a mais interessante Russian Imperial Stout do Brasil), e três garrafas da Petroleum maturada em diferentes barris: Amburana, Carvalho Francês e Castanheira. Tive a oportunidade de provar tais cervejas no seu lançamento. Todas estavam muito boas, com singelas diferenças, variando de barril para barril. Até onde eu sei, foram feitos apenas 1000 kits, sendo que 100 já foram vendidos no próprio festival e os outros 900 serão comercializados pela distribuidora BeerManiacs (BrazilWays). Felizmente consegui algumas caixas para o Black Dog - em quantidade limitadíssima.


Assim como no teste anterior, o objetivo não é identificar e acertar os rótulos (faremos isso em outras oportunidades), e sim apontar qual exemplar, livre de qualquer preconceito de rótulo, agrada mais. Confesso que essa análise foi mais pesada, em razão da intensidade das cervejas. Mas, ao final, a experiência teve resultado bem agradável. Dessa vez, meu sócio Iuri Fernandes também participou do teste. Nossos resultados foram praticamente iguais.

Por se tratar da mesma cerveja utilizada como base, as diferenças, ainda que sutis, se tornaram bem aparentes. Utilizamos a Petroleum normal como parâmetro - e para facilitar a identificação das peculiaridades de cada uma. Bom, vamos lá:

AMOSTRA #1: as notas de café e chocolate estavam muito fortes no aroma. Obviamente, sentimos aroma considerável de madeira. O aroma também foi marcado pela presença de marshmellow, canela e côco queimado. O álcool se mostrou muito presente, tanto na evaporação quanto na garganta. O sabor basicamente segue o aroma, dando destaque para o café e o chocolate;

AMOSTRA #2: aqui o dulçor se mostrou mais presente. As notas de cacau belga se sobressaíram às do malte torrado (tanto no aroma quanto no paladar). As notas de chocolate meio amargo eram intensas. Foi possível notar leves notas picantes, talvez vindas da madeira. O álcool estava em perfeita harmonia com o conjunto;

AMOSTRA #3: assim como as duas anteriores, as notas do malte torrado e de chocolate foram bastante intensas, tendo aqui, assim como na anterior, o chocolate como protagonista. Notas de madeira torrada foram bem evidentes aqui, deixando o café para um segundo plano. E, semelhante à primeira, o álcool estava muito presente. Também foi possível sentir notas um pouco picantes.

Obedecendo uma escala de 0 a 10, o resultado foi o seguinte (apenas a minha nota): Amostra #1 totalizou nota 7,5; Amostra #2 ficou com 8,0; e a Amostra #3 ficou com 7,0.

AMOSTRA #1: DUM Petroleum Amburana (7,5pt)
AMOSTRA #2: DUM Petroleum Castanheira (8,0pt) [VENCEDORA]
AMOSTRA #3: DUM Petroleum Carvalho Francês (7,0pt)



Parabéns ao pessoal da DUM pela iniciativa e, principalmente, pela paciência e fazer um projeto tão legal como esse. Já vi que algumas cervejarias possuem projetos semelhantes a esse - de envelhecimento de cervejas. É um bom caminho a ser trilhado. Saúde!

quinta-feira, 2 de abril de 2015

Teste cego #1

Rankings sempre me intrigaram. Seja pela subjetividade, seja por qualquer outro aspecto intrínseco à natureza humana. Nas nada saudosas aulas de Direito, lembro da figura do Juiz - e a sua imparcialidade. Sempre achei dificílimo, em momentos de julgamento, alguém olhar para um caso de maneira imparcial, livre de qualquer pré-conceito (e não preconceito) pessoal, construído ao longo dos anos. Se fosse diferente, não teríamos Varas conhecidas por seguir determinada corrente doutrinária ou jurisprudencial. Enfim, é um assunto chato pra caramba. Bora falar de cerveja.

Em muitos rankings de cerveja, a cerveja trapista Westvleteren 12 figura no top 10 (inclusive no meu, o qual está sob revisão). Paralelo a isso, existe todo um mito por trás dela em razão da dificuldade de achá-la (mesmo na Bélgica). Para comprá-la baratíssima, é preciso ir ao mosteiro de St. Sixtus, reservar horário e comprar um máximo de 24 unidades; ou tomá-la diretamente no bar em frente ao mosteiro. Tive a sorte de encontrar algumas unidades em Bruges - porém, com um preço bem elevado. E sim, a cerveja é maravilhosa. Mas, será ela a melhor do mundo?


Bom, não estou aqui para contar a história da Westvleteren, nem da St. Bernardus, pois já existem inúmeras matérias e postagens em blogs sobre o assunto. Aqui, importa saber que, por algum tempo, as cervejas da Westvleteren foram produzidas na fábrica da St. Bernardus. E, eles juram de pé junto que a sua quadruppel, a St. Bernardus 12 possui receita idêntica à Westvleteren 12. Alguns, inclusive, chamam a primeira de prima pobre da segunda. Comparação injusta. Não sei afirmar se essa fama se estende ao mundo todo. Porém, é interessante trazer à tona uma curiosidade: no célebre livro do Garret Oliver, chamado A Mesa do Mestre Cervejeiro (salvo engano, datado de 2004), a menção à Westvleteren 12 é breve e nada mais. Não há nenhum "mito" pairando sobre ela; em contrapartida, as linhas dedicadas à Trappistes Rochefort 10 são de emocionar qualquer entusiasta da cerveja. A dificuldade, à época, de se conseguir uma garrafinha dela beira o misticismo em volta da Westvleteren 12. Hoje em dia é bem fácil de se encontrar um Rochefort 10 a um preço razoável. Portanto, decidi incluí-la no teste cego - ainda mais porque é uma cerveja que me agrada bastante e, além disso, se encaixa no estilo.

A idéia do teste cego não é identificar qual é qual, e sim inferir qual delas, sem preconceito de rótulo ou de fama, agradaria mais. Em relação as escolhas, tem-se o seguinte: a Westvleteren 12 e St. Bernardus 12 pela sua notória semelhança - e pela certeza que esta última dá de utilizar a mesma receita - e a Rochefort 10 pelo seu padrão de excelência notório, por se encaixar no mesmo estilo das duas anterior e por outrora possuir o mito que, atualmente, ainda cerca a Westvleteren. A primeira é datada de 2013, enquanto que segunda e a terceira, foram fabricadas em 2014.


Todas as três foram servidas simultaneamente, sem denunciar o rótulo, apenas com etiquetas numeradas de 1 a 3; não se sabia, outrossim, a ordem das cervejas. Conforme dito anteriormente, não se almejava adivinhar os rótulos, e sim saber qual iria mostrar melhores características sensoriais cegamente. O resultado foi surpreendente e nos deu duas vertentes distintas.

AMOSTRA #1: O aroma se mostrou com notas intensas de ameixa, passas, chocolate ao leite, castanhas (nozes e um pouco de castanha-do-pará), Vinho do Porto, Erva-doce, anis e azeitonas chilenas. O sabor acompanha bastante o aroma, principalmente nas notas doces, deixando a picância das ervas e da azeitona para segundo plano. O amargor é contido. Este exemplar mostrou notas suaves metálicas - sinal de envelhecimento da cerveja. Apesar desse pequeno detalhe, foi a cerveja de melhor sabor. O corpo pesado e o álcool funcionaram muito bem com as notas condimentadas;

AMOSTRA #2: O aroma predominante é de maltes, caramelo e castanhas, lembrando muito um aroma de uma Dubbel belga, porém em maior intensidade. As notas de Vinho do Porto estavam presentes, só que mais discretas que na primeira amostra. Aqui tem-se uma leve sugestão de madeira, levando à notas de canela. O chocolate lembra mais um meio amargo, porém suave. Os aromas condimentados são bem mais contidos. O amargor do lúpulo funciona perfeitamente com o dulçor do malte; mostrou-se a mais balanceada e com melhor aroma. Também se mostrou presente um leve Metálico;

AMOSTRA #3: O dulçor do malte e as notas vínicas apresentaram-se mais fortes nesse exemplar. As notas maltadas e doces se assemelharam muito às duas anteriores, contudo, em menor intensidade. O aroma foi tomado por notas de ameixas e passas; o paladar seguiu o aroma, com a diferença que o amargor do lúpulo estava mais escondido, comprometendo levemente o balanço, mas nada de exagerado.

Ao final, numa escala de 0 a 10, a Amostra #1 recebeu nota 9; a Amostra #2 recebeu nota 9,5; e a Amostra #3 recebeu nota 8. Tem algum palpite pra vencedora? O resultado é interessante:

AMOSTRA #1: Westvleteren 12 (9,0pt)
AMOSTRA #2: St. Bernardus 12 (9,5pt) [VENCEDORA]
AMOSTRA #3: Trappistes Rochefort 10 (8,0 pt)

Com esse resultado, temos que analisar alguns aspectos: as três sofreram a mesma viagem, seguindo o itinerário Bélgica-Brasil, com algumas diferenças consideráveis: a Westvleteren eu comprei em 2013, numa lojinha em Bruges. E ela veio na minha mala; passou esse tempo todo sob os meus cuidados, na minha adega particular. As outras duas eu comprei ao mesmo tempo, no dutyfree do Aeroporto de Belém. Provavelmente elas viajaram mais que a Westvleteren até chegar em Belém, porém eram 1 ano mais novas (fabricadas em 2014). Imagino que realizar a mesma experiência na Bélgica pode nos gerar resultado diferente, pois as caraterísticas sensoriais podem mudar.

Vai uma St. Bernardus 12? Saúde!

domingo, 29 de março de 2015

A Metamorfose

Certa manhã, ao acordar de sonhos intranquilos, percebi que havia me metamorfoseado. Aliás, não tenho muita certeza se quem mudou fora eu, ou o ambiente no qual habitara. Já não conseguia decifrar se era eu o grotesco ou se era o ambiente que me dava asco. Foram dois anos de sonhos, ideologias e ideais. Todos frustrados. Todos jogados ao vento. Talvez Nero nos salvasse. Talvez.

Quando fundamos a ACervA Paraense, entre Junho e Julho de 2013, Associação esta que teve sua gênesis nas reuniões na saudosa Levedo - recinto onde muitos de nós aprendemos a tomar cerveja e a fazer amigos -, não imaginávamos as dimensões que ela tomaria. Na verdade, tínhamos uma expectativa de ter pessoas boas ao nosso lado, com o fulcro de fomentar a cultura cervejeira dentro do estado do Pará e, por que não, tomar um copo ou dois. Antes disso, eu sequer conhecia essas pessoas, as quais algumas eu considero amigas de verdade. Mas nada nessa vida é estático.

Muitos dos cervejeiros caseiros iniciam a atividade milenar como um hobby - uma válvula de escape para seus anseios. É um trabalho de paciência. Muitos são pais, mães, advogados, engenheiros, empresários, etc. E fazer cerveja é um hobby caro. Os insumos, na maioria das vezes são importados; e temos um agravante: o frete para Belém sai bastante salgado. Mas, tudo pela cerveja. Eu segui por um rumo diferente: ao perceber o quão caro sairia tal hobby, decidi focar meus investimentos na parte teórica; em cursos, viagens, pesquisas in loco de cervejas. É muito difícil fazer ambas as coisas (a não ser que você tenha dinheiro de sobra).

Falando em dinheiro, eis um dos fatores decisivos para a mudança de foco da ACervA. Obviamente, ela é uma Associação sem fins lucrativos - ainda que os membros paguem anuidade. Todavia, tem-se um dinheiro em caixa para os eventos, onde todos saem beneficiados. Há, ainda, as brassagens abertas que a ACervA promove - totalmente gratuitas. Os eventos que não são promovidos diretamente pela Associação - e sim feita com o apoio da mesma -, com toda certeza resultam num dispêndio financeiro daqueles interessados pelos cursos - por exemplo, o curso de leveduras e de off-flavors. Porém, aqui, falamos de profissionais que dedicam suas vidas à cerveja e que gastaram pequenas fortunas na sua qualificação profissional para tal. Não se fala aqui de nenhum aproveitador de momento; aqui não se fala de pessoas que querem se locupletar do movimento cervejeiro para lucrar. Até porque assistir a um curso de R$ 500,00 não faz de você mestre-cervejeiro, tampouco lhe dá aval para ministrar curso meia-boca. É isso mesmo. Charlatões passam a se aproveitar da boa vontade de muitos inocentes que querem aprender mais sobre este belo Universo, porém não tem o tato necessário pare chegar nas pessoas corretas, ilibadas, que prezam pela moral e pela ética.

Outro aspecto negativo ocorre quando o hobby sobe à cabeça do homebrewer e este se intitula O cervejeiro da galera. Pra ser bem sincero: digamos que, das 100 cervejas caseiras que provei em Belém, 2 estavam muito boas, 8 estavam boas, 10 estavam razoáveis e o resto estavam com mais defeitos que qualidades. Desculpem, mas eu treinei pra isso, para analisar uma cerveja. E, se ela está ruim, a culpa não é minha. O problema é que sempre aparece um mau perdedor pra falar que é fácil falar mal da cerveja alheia; difícil é fazer. Bom, a vida é feita de escolhas. Eu fiz a minha. Se alguém optou por outro caminho, e mesmo assim não tem competência para trilhar o seu itinerário, a culpa não é de ninguém. São muitos Rúdins pra pouca Revolução.

Eis que chega o pior: mesmo sabendo (ou não) que a cerveja é ruim, por algum motivo - imagino que financeiro - a pessoa decide por comercializá-la. Veja bem, a pessoa assistiu 2 ou 3 cursos, tomou umas 300 cervejas diferentes (sendo que 100 do mesmo estilo), fez meia dúzia de cervejas em casa e agora julga-se competente para fabricar uma cerveja artesanal, nos moldes de homebrewer. Isso não é apenas um desrespeito com o consumidor (o qual será enganado ao comprar um produto sem qualidade industrial), como desrespeito com alguns que vejo batalharem há anos para abrir microcervejarias ou brewpubs dentro da lei, conforme manda a cartilha. Aliás, esse é um grande problema no Brasil: a carência de legislação para, em situações como esta, enquadrar malfeitores como os descritos acima; pessoas que prestam um desserviço para a cultura cervejeira local. Tudo em nome do dinheiro.

As trocas de favores, tapinhas nas costas e benesses se tornaram regra neste meio. A falta de ética impera, desde os Sommeliers que só falam bem em seus blogs das cervejas que ganham, dos lobbys que fazem em seus livros para cervejas publicamente conhecidas como ruins (ainda que gosto seja algo subetivo), ao homebrewer que quer lucrar com aquela líquido intragável. Porque alguém vai ter que pagar pelo meu hobby caríssimo, não é mesmo?

A ACervA não tem poderes nenhum sobre tudo isso que falei. Ela tem dever tão-somente de orientar quando achar necessário. Ocorre que, quando a orientação é feita, a falta de ética e de moral vem à tona. Não vejo motivos, pois, para continuar fazendo parte de uma instituição onde alguns dos seus membros achem normal enganar pessoas leigas no assunto - seja com cerveja ruim, seja com informações equivocadas, seja com essa falta de ética que já parece regra em Belém. Seguirei meu rumo, fazendo o que acho correto: ensinando cerveja, bebendo cerveja. Agora, sozinho. Estarei longe quando a Associação se tornar insustentável pela ganância de poucos. Todos pagarão. Infelizmente já não posso mais habitar esta pocilga em que vivemos. Saúde.






terça-feira, 17 de março de 2015

A cerveja do dono e o dono da cerveja

A arte de fazer cerveja. Esta eu não domino. Desde que me interessei pelo assunto, me encantei pela parte história e sensorial da cerveja. Sempre busquei a origem dos estilos e sua evolução ao longo do tempo. Obviamente me interessei pelos ingredientes: desde a água de Burton on Trent à cepa de leveduras que a Het Anker guarda a sete chaves para a produção da Van de Keizer Blauw. Sempre procurei saber quais especiarias os belgas utilizavam nas suas receitas. Confesso que já passei horas lendo receitas. Agora, pô-las em prática nunca foi o meu foco. Sempre preferi focar meus investimentos em outras áreas da Zitologia (mas prometo que até o fim do ano isso mudará).

Tive a sorte de acompanhar muitos amigos, colegas e conhecidos no surgimento e crescimento da ACervA Paraense e de todo o movimento cervejeiro que, atualmente, efervesce no Pará; hoje em dia já são muitos os que se interessam pela cerveja - e são muitos os outros que desejam produzi-la. Nunca me iludi achando que eu poderia fazer uma cerveja, de fato, boa. Eu admiro receitas que levaram décadas; ou séculos para se consagrarem. Também admiro quem se esforça para fazer uma cerveja boa no equipamento de homebrewer. É necessária uma força de vontade sem igual, daquela que só um cervejeiro possui.

Já cheguei a participar de 4 ou 5 processos de produção de cerveja. É divertido. Mas nunca tive o tesão que muitos dos meus colegas possuem. Talvez por saber que eu ainda não possuo conhecimento suficiente para produzir uma cerveja que me interesse e que me faça suspirar. Não estou apontando o dedo para A ou B - apenas não estou sendo hipócrita. Tampouco estou desmerecendo todo o trabalho que homebrewers fazem à frente do seu fogão. Apenas voltei de Blumenau com uma perspectiva diferente.

Já chegaram a questionar se existe uma Escola Brasileira de cerveja (tais quais as Alemãs, Inglesas, Franco-Belga e Estadunidense). Dá até pena de responder. É claro que não. Sem dúvidas, a criatividade do brasileiro é fantástica - a quantidade de ingredientes que este enorme país possui é inigualável. Dessa forma, os resultados que podem sair com as combinações é praticamente infinito. Acontece que, hoje em dia, parece que é regra colocar um ingrediente estapafúrdio numa cerveja caseira - ou mesmo artesanal. A busca incessante por ser pioneiro em determinado estilo, ao invés de colocar o movimento cervejeiro para frente, na verdade, o puxa para trás. Eu tive um professor em Chicago o qual aprendi a respeitar, pois as palavras que ele me disse não faziam sentido à época. Contudo, quanto mais eu estudei, e quanto mais eu busquei o conhecimento cervejeiro, eu vi que ele estava certo. Falo aqui do Jared Rouben: ex Mestre-cervejeiro da Goose Island e atual proprietário e Mestre-cervejeiro da Moody Tongue. Antes de viajar para lá, havia participado de uma brassagem de uma witbier com adição de acerola - fruta a qual eu tive dificuldade para traduzir. Ele, calmamente, me perguntou: por que havia sido adicionada uma fruta numa receita que, além dos ingredientes tradicionais, levara somente coentro e casca de laranja? Antes de eu tentar responder (claro que permaneci calado), perguntou novamente: você já fez uma receita normal de witbier, sem inventar nada?  Fiquei com cara de parabéns. Segundo ele, o homebrewer tem que errar pelo menos 10 vezes uma receita padrão antes de tentar inovar. É preciso dominar o estilo antes de tentar interpretá-lo de maneira diferente.

Retornei do Festival Brasileiro da Cerveja com uma visão preocupante: hoje em dia é difícil tomar uma cerveja brasileira com receitas tradicionais. Pode espernear e falar "Ah, mas esse é o diferencial do Brasil. A criatividade"? Pode. Acontece que essa criatividade deveria estar a favor do cervejeiro. As melhores cervejas que tive o prazer de degustar no Festival, na sua maioria, eram de cervejeiros experientes que envelheceram suas cervejas em barris de Amburana, Carvalho Francês, Carvalho Americano, Castanheira, etc. Palmas à Bodebrown, Wäls, DUM e à Morada & Cia. Etílica pelo excelente trabalho desenvolvido. Imagino que tenha tomado tempo, espaço e paciência para se chegar num resultado como esse (a Flanders Red Ale da Morada, Gasoline Sour, está simplesmente sensacional). E mais palmas à Cervejaria Palta,  que fez cervejas maravilhosas sem adicionar frutas exóticas ou raízes demoníacas nas suas receitas. Eles têm uma Vienna Lager linda. O mesmo vale pra Abadessa: Pilsner, Helles e Dortmunder Export muito boas. Nenhuma com fruta. Muito menos capim; ou mel; ou jaca; ou ingá; ou tucumã; ou doce de tamarindo da vovó. Esses caras me fazem acreditar que existem cervejeiros de competência inquestionável neste país.

O duro do Festival foi ter que lidar com as Sessions IPA's. E com as Saisons. Quem me conhece sabe do meu fascínio por Saison. Logo, neste aspecto, as cervejas do Festival foram decepcionantes. Quase todas as Saisons que tomei estavam ruins - com exceção da Saison de Caju envelhecida em barril de vinho brando da Tupiniquim/Stillwater. Outro aspecto interessante foi ver a quantidade de Witbiers produzidas pelas cervejarias. No entanto, das 15 que me deparei, apenas 2 ou 3 seguiam a receita à risca. Inclusive, teve uma com framboesa, que nem casca de laranja e coentro levava na receita. Mas quem sou eu pra falar algo, né? Deixa o brasileiro e sua criatividade invejável… Pelo menos segue a mesma lógica: aqui em Belém tive o prazer de tomar cervejas muito boas feitas pelos colegas da ACervA. Acontece que, as únicas cervejas realmente boas foram aquelas que fugiram da inventividade demasiada: Amber Ales sem nada de "novo", Witbiers deliciosas, Heffeweizens com pegada da cidade de Bamberg, uma Vienna Lager que eu tomei no carnaval e me apaixonei, etc. Agora, quando se tentou inovar com ingredientes estranhos às receitas-base, o resultado quase sempre foi desastroso. Desculpa, amigos. Mas essa é a verdade.



Ainda que, por hora, não tenha pretensões de fazer cerveja no fogão de casa, comprei o novo livro do Randy Mosher: Mastering Homebrew. Confesso que, até então, está sendo uma leitura gostosíssima. Recomendo àqueles que não tenham dificuldade com a leitura em inglês. Muito do que aprendi sobre cerveja eu devo ao trabalho do Randy, como professor e como escritor. E nesse livro ele nos ensina bem a utilização de todos os ingredientes na produção da cerveja. Tem uma pequena parte do livro dedicada ao Brasil. É bem legal. Acho que nada mais justo que ouvir (ou ler) as palavras do Mosher. Afinal de contas, ainda não sabemos nada sobre cerveja. Saúde.

P.S. Os guias de estilos do BJCP e BA são meramente sugestivos (caso você não almeje entrar em um concurso). Você é dono da sua própria cerveja. A sua imaginação pode ir longe. Ninguém está aqui para lhe parar. Assim como ninguém vai dar tapinha nas costas dizendo que a cerveja tá boa. Ou vai? Complicado.

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015

Sobre o comercial da Budweiser

Ontem à noite, durante o XLIX Super Bowl, a Anheuser-Busch InBev lançou um comercial polêmico, de um dos seus rótulos, a Budweiser (uma das cervejas Standard Adjunct Lager mais consumidas dos EUA). No comercial de 60 segundos (que custou à empresa singelos U$ 9.000.000,00), é possível ver diversos ataques às cervejas artesanais (craft beers) e aos consumidores das mesmas. Obviamente, depois da circulação deste comercial, a cólera tomou o meio cervejeiro. Por mais engraçado que isso possa parecer, o público brasileiro se mostrou demasiadamente ofendido com o comercial. Opiniões divergentes surgiram. E eu vim aqui dar a minha. Não ficarei em cima do muro, pois há muito tempo tenho uma opinião formada sobre este assunto. Para início de conversa, segue abaixo o vídeo para quem ainda não o viu(caso não consigam ver: aqui está o link direto para o youtube: http://goo.gl/Eg2Xq7):





Pois bem. No comercial, a Budweiser se orgulha em ser uma Macro cerveja. Algum problema? Não vejo. Inclusive já escrevi aqui que acredito veementemente que cada cerveja exerce uma função no mundo. Cabe a você fazer suas escolhas. O problema é que, atualmente, "micro" virou sinônimo de cerveja excelente, e "macro", veja você, de porcaria (a.k.a American Crap). E, convenhamos: para quem realmente estuda este nicho, sabemos que essa é uma meia-verdade muito mal elaborada e espalhada por aí. Uma microcervejaria não é, automaticamente, excelente; igualmente, uma cerveja de um grande conglomerado não é, por tabela, ruim. Isso, inclusive, desmerece e desrespeita muitos profissionais com currículos ilibados que trabalham naquele meio - às vezes com formação, experiência e competência maiores que muitos microcervejeiros (o que eu provei de cerveja artesanal nova ruim no ano de 2014 não cabe aqui em linhas). Portanto, pense duas vezes antes de atacar irresponsavelmente uma marca.

Em seguida, o comercial enfatiza que a Budweiser não foi feita para ser mimada/bajulada/paparicada (fussed over), onde aparece a imagem de um homem barbudo, com bigodes pontudos e óculos "analisando" uma cerveja escura dentro de um snifter - para deixar claro que não é uma Bud. Novamente: algum problema nisso? Realmente, a Budweiser não é feita para ser apreciada; é para ser tomada, geladíssima, à beira de uma bela piscina. Se você for analisá-la, vai se incomodar com níveis consideráveis de Diacetil.

Em outro ponto do comercial, aparecem três amigos com uma tábua de samplers (pequenas porções de várias cervejas de um Brewpub, onde a pessoa pode experimentar uma quantidade maior de rótulos, pois as porções geralmente ficam em torno de 5oz) claramente estereotipados, com um ar bastante hipster e beerchato, indagando que a Bud não foi feita para ser dissecada. Pelo menos eu não tenho vontade nenhuma de analisar sensorialmente uma Budweiser - a não ser que eu seja forçado. É um ponto bem retórico feito, unica e exclusivamente para irritar os malas da cerveja, os quais não sabem interpretar uma situação inusitada.

Adiante, pode-se ler "As pessoas que bebem a nossa cerveja são pessoas que gostam de beber cerveja fabricada do jeito difícil" Eu sinceramente não entendi esta parte - se é feita alusão às Lagers, que demandam maiores cuidados na sua fabricação, por serem mais suscetíveis à defeitos aparentes ou outra coisa parecida. Enfim, ponto pro beerchato.

Agora vem a melhor parte: Deixem eles tomarem a Pumpkin Peach Ale deles - a frase vem acompanhada de uma imagem com uns 15 taps diferentes. Recentemente, a Anheuser-Busch InBev comprou uma cervejaria chamada Elysian Brewing (de Seattle), a qual possui, pasmem uma Pumpkin Peach Ale chamada de "Gourdia on my Mind". Olha só, duas propagandas em uma só: para o tiozão que bebe Bud, e pro BeerEvangelhista que, naquele momento, urrava de raiva do comercial. Genial. Sem contar que, atualmente, a gigante do mercado conta com muitas cervejas de excelência na sua carta, como Leffe, Hoegaarden, Franziskaner, Gosse Island, etc.

Balanço final da propaganda: atingiu o seu objetivo, pois fora veiculado no momento em que milhões de pessoas consumidoras do produto estavam de olho. E, outrossim, teve um efeito colateral: falou para o mundo que existem outros tipos de cerveja (inclusive, aparecem imagens de muitas outras cervejas). Um espectador mais atento percebe que existe algo além da Budweiser - ainda que esta seja a protagonista do comercial. E, para fazer uma propaganda, de certa forma apelativa, significa que as outras cervejas pequenas, estão incomodando. É tudo uma questão de interpretação daquele que recebe a mensagem. Pra ficar com raiva dessa propaganda, é preciso muito esforço - e muita chatice.

Pra finalizar, um fato curioso: quando a coisa acontece do lado oposto, diz-se que a propaganda é despojada, corajosa e autêntica. Lembro de ter visto, há muito tempo, essa propaganda da BrewDog:


Eu achei engraçadíssima. Já pensou se o tiozão, que só bebe, como chamam os malas da cerveja, American Crap ou Suco de Milho, viesse pra internet cheio de mimimi, dizendo que esta propaganda é um ultraje ao bebedor tradicional de cerveja; que os novos bebedores são esnobes e prepotentes? Por que a alfinetada pode partir numa direção, mas quando rebatida, gera todo esse alvoroço? Pois é. Se você ficou indignado com a propaganda da Budweiser, parabéns: você é um mala cervejeiro, do tipo que fala "Ai Pi Êi" no boteco. Uma pessoa que contribui para deixar o universo da Zitologia mais chato. 

*Neste post não estão inclusos as razões econômicas para se ter ódio de grandes empresas com a AmBev; as tributações desproporcionais que muitas vezes afundam microcervejarias no Brasil. Falei apenas do produto. Caso contrário, a discussão seria outra.

terça-feira, 4 de novembro de 2014

A "sommelierização" da cerveja

Beber cerveja é muito bom. Estudar cerveja? Melhor ainda, pois requer, além de enorme base teórica, muita prática. E imagino que você compreenda como essa prática é boa - gole após gole. Claro que, em algum momento, todos se veem apenas como meros entusiastas do assunto e, quanto mais gente parecida com você, mais acolhido você se sentirá. E, em determinado momento, "pôr a cerveja em prática" é praticamente uma obrigação na vida do entusiasta. Talvez (ou quase certo que) o que eu vá dizer a seguir não agrade a muita gente; talvez desperte a raiva de alguns; talvez eu arranque alguns risos de outros. Porém, o que vem a seguir será dito com a mais pura sinceridade: um ponto de vista de quem vê o universo da cerveja de uma forma menos romântica e lírica que os demais.

Primeiramente preciso declarar que me inspirei profundamente num texto visto na página pessoal da Carolina Oda, excelentíssima profissional do meio das bebidas (você pode acessar o link aqui: http://goo.gl/mUwwgy). Digo isso pois ela conseguiu expressar em poucas palavras toda a angústia de quem deveras trabalha com cervejas (ou qualquer outra bebida) no dia a dia e, em determinado momento, se vê rodeado de inúmeras pessoas que adquiriram um diploma de Sommelier por puro hobby - mas, na verdade, têm outra profissão no cotidiano. Não é a função de sommelier que lhe dá o sustento. Isso acaba maldizendo uma categoria inteira de profissionais que se esforçam cada dia mais para transmitir o conhecimento aos outros. Ainda que eu não tenha o dom da oratória, sempre tento passar para os funcionários do Black Dog as informações sobre cerveja do modo mais fidedigno possível para que eu me sinta confortável para me afastar e deixá-los fazer o seu trabalho. Muitas vezes, mesmo estando no local - quando um cliente pede alguma dica para as moças do balcão - eu não me interfiro; somente o faço quando a própria pessoa não se sente confiante o suficiente para repassar a informação. Mas, ao observar isso, fico feliz. Ver alguém andar com as próprias pernas, a partir do que você incentiva, não tem preço.

Você estudou, você se formou. A sua vida gira em torno da cerveja. Pelo menos eu tento degustar o maior número possível de rótulos para sempre poder repassar a informação necessária ao cliente. É importantíssimo dominar as cervejas existentes no mercado, pois, se o cliente não estiver satisfeito com o rótulo X, você tem que imediatamente pensar num plano B e recorrer à sua biblioteca mental num tempo suficiente que você não fique em silêncio olhando com cara de besta para a pessoa que está na sua frente. Então isso significa que, 100% do tempo eu irei tomar cerveja? NÃO! Eu também gosto de coca-cola, de milkshake, às vezes de suco e gosto muito, muito mesmo de água. Por mais que, determinada casa que venda hambúrguer, tenha 30 taps de cerejas, eu quero, e é meu direito, me deleitar com a combinação burguer + milkshake de chocolate. Depois de comer, vou em busca desses 30 taps. Uma coisa de cada vez. Não fico buscando harmonização no PF da esquina pra postar no Instagram. É o primeiro problema gerado pelas "fábricas de sommeliers"

Outro enorme problema: análise sensorial virtual. Meu amigo, do que adianta falar numa foto do instagram/facebook que a cerveja é âmbar ou ocre, que tem aroma de grama molhada num final de tarde chuvoso, de pimenta-da-jamaica, de anis-estrelado, se o outro lado não pode, de forma alguma, sentir a sua descrição (com exceção da cor)? O que vai mudar na vida da pessoa você dizer que a cerveja fez o famoso colarinho belga (erradamente traduzido do Brussels Lace). Aí vai o fulano, agora sommelier de cerveja, fala até o lote da saca do malte utilizado na receita, utiliza-se da Flor do Lácio como se fosse apenas sua - não se importando com quem recebe a mensagem pois, o que importa é a descrição impecável do novo sommelier do mercado. Veja bem, em hipótese alguma estou reclamando de "concorrência" ou da quantidade de profissionais emergentes; muito menos estou contra os colegas de profissão. O problema, de fato, é paira justamente nesta última categoria: profissionais. Como fora citado no texto da Carolina, se você já é um profissional e optou por fazer um curso de sommelier a fim de ostentar o título, não se apresente por aí como um Beer Sommelier. Fica feio. Você, no máximo, sabe descrever muito bem uma cerveja. Alías, existem redes sociais direcionadas para isso: procure o Untappd. É bem divertido. Dá até pra fazer amigos.

Sabe quando a gente falava dos malas do vinho? O enochato? Pois é, meu camarada, essa onda chegou na cerveja. E chegou com tudo. Experimente por aí falar numa rodinha cervejeira que a sua IPA está muito amarga. Creio que, em cerca de 1,5 segundos virá uma voz do além: É lupulada! Que cerveja doce! "Não, não, amigo! O correto é maltada." E a palavra campeã na boca do hopmala? A-D-S-T-R-I-N-G-E-N-T-E. Travoso? Errado! Parece aquela fruta… caju! Ai, que burro. O certo é (enche a boca de ar) adstringente. É tanino. Uma dica: não é abrindo o seu glossário cervejeiro que você irá cativar um novo bebedor. É preciso ter tato, saber utilizar as palavras certas e nunca, nunca, maldiga a Brahma do colega. É prepotentemente deselegante.

Nessa mesma onda, ocorre um outro fenômeno igualmente enjoado: os cursos e mini-cursos sobre cerveja viraram, hoje em dia, uma bela desculpa para encher a cara. O conhecimento fica em segundo plano. E isso não é uma suposição: infelizmente eu pude observar na prática que, a não ocorrência da cerveja, por exemplo, no intervalo de um curso, faz com que não valha a pena fazê-lo. Parece que o cervejeiro fora enganado, ultrajado ou vilipendiado no momento em que lhe negam a bebida. E o conhecimento? "Que se dane! Eu quero é aproveitar os bons momentos com os meus confrades. Depois eu leio um livro que fala sobre isso aí.". É triste e é verdade.

Após as palavras acima proferidas, pode (e quase certeza que haverá), uma inversão de valores: o chato serei eu. Porque toda hora é hora de beber. É apenas mais uma constatação que aquela velha frase que você ouviu em uma das primeiras vezes que tomou uma cerveja diferente não passa de mera hipocrisia: Beba menos, beba melhor. Na verdade, você bebe o quanto o seu corpo e o seu bolso aguentarem. A prática cervejeira acima mencionada hoje em dia é travestida de churrascão. Porque beber 1 ou 2 cervejas é coisa de quem não entende nada, não é mesmo?

terça-feira, 7 de outubro de 2014

A melhor cerveja do mundo

Olá. Muitos já se perguntaram "Qual é a melhor cerveja do mundo?". Aliás, muito tiozão já me fez essa pergunta. Em todas as oportunidades fiquei com cara de parabéns e respondi qualquer coisa do tipo "não é bem assim" ou "eu nunca tomei nem 10% das cervejas do mundo". Bom, pelo menos não dei aquela resposta ridícula "A melhor cerveja é a que você está bebendo no momento". Por favor! Tudo tem limites nessa vida. Ser um Sommelier não me dá o direito de apontar uma ou duas cervejas como as melhores do mundo. Mas, com certeza, quando a pergunta cai pro gosto pessoal, sinto prazer em dizer: minha cerveja favorita é a Orval. Por quê? Porque ela tem bretta; porque ela tem aquele amargor contido - na medida -, muito diferente daquela bomba de lúpulos de American IPAs; e, principalmente, porque ela consegue ser uma cerveja ímpar, singular. Nenhuma outra cerveja que já experimentei se assemelha a ela - nem mesmo a Matilda da Goose Island (a qual é uma excelente cerveja). Mas tudo isso não passa do gosto de uma única pessoa. Seria irresponsabilidade minha sair por aí gritando que a Orval é a melhor cerveja do mundo. Não é.

Eu gosto de olhar pra trás. É muito bom para se fazer um comparativo com o presente. Quando me internei na Levedo, lá em 2011, fiquei fascinado com as cervejas belgas. A Levedo é grande responsável pela minha paixão pela escola belga. Eu tinha noção que existia alguma coisa ali na Inglaterra; sabia da tradição alemã e já havia ouvido algo sobre cerveja nos EUA. Da mesma forma, sabia que algo estava acontecendo no Brasil. Mas o que eu queria mesmo saber era da Bélgica. A escola belga, pra mim, à época, era sinônimo de excelência e superioridade cervejeira. As melhores cervejas do mundo? Trapistas, obviamente. Tomava incansavelmente Orval, Westmalle, Chimay, Achel, Rochefort e eventualmente La Trappe. Sim, eu sonhava todas as noites com um cálice de Westvleteren 12; nem lembrava que havia mais outros dois rótulos do mosteiro. Eu queria ela. Já era a melhor do mundo sem nem mesmo tê-la provado. Não precisei ir à Bélgica para prová-la. Alguém trouxe de lá e vendeu num desses sites de compra online. Não vou falar o preço indecente que paguei na época. Anos depois, em 2013, achei os três rótulos da Westvleteren numa lojinha em Bruges a um preço bem camarada. E vos digo uma coisa: a Westvleteren 6 e 8 são injustamente esquecidas em face do hype da 12. Se um dia você tiver oportunidade, experimente todas. Não se guarde apenas para a 12.
Westvleteren 6


Um fato curioso: o consagrado livro do Garet Oliver "A Mesa do Mestre-Cervejeiro" datado de 2003, dedica alguma de suas páginas para falar das cervejas trapistas. E, naquela época, o supra-sumo das belgas feitas pelos monges era, pasmem, a Rochefort. Claro que ele fala da dificuldade de se conseguir uma garrafa de Westvleteren (venda somente na porta do mosteiro ou no café em frente a ele; quantidade limitada de garrafas; e agendamento da visita a fim de efetuar a compra). Todavia, a grande procurada era, deveras a Rochefort 10. Curiosidade dois: a Westmalle usa a mesma levedura da Westvleteren. Portanto, fique atento para isso da próxima vez que degustá-la(s).

Deixando a Bélgica um pouco de lado, pude começar a enxergar a excelência das outras escolas cervejeiras. Consegui observar o esmero com que as cervejas britânicas são produzidas - com uma qualidade e padronização de dar inveja a todos. Se, por exemplo, você está atrás de uma Barley Wine, não há dúvidas de que as melhores são as britânicas. American Barleywine Style até que são gostosinhas, mas a lascívia por lúpulos da escola estadunidense estraga qualquer chance de termos uma neste estilo que chegue perto das britânicas. A comparação chega a dar pena. Excluem-se, aqui, as Barley Wines da BrewDog. Apesar de fabricadas na Escócia, seguem a linha estadunidense. Portanto, o resultado é uma breja onde o malte, que deveria ser protagonista, é esmagado por uma carga absurdamente desnecessária de lúpulo. Enfim, este é um tópico para outro post.

Já falei aqui em outra oportunidade que só consegui absorver a magnitude da tradição cervejeira germânica quando pisei em solo alemão. Pois bem. Nessa efervescência da cultura cervejeira Brasil afora, os estilos alemães acabam esquecidos num canto qualquer - exceto a Heffeweizen, a qual é, para muitos, a porta de entrada neste mundo -, pois não oferecem a complexidade de uma cerveja belga, ou a inovação de uma IPA estadunidense. Isso é injusto. E muito. A escola alemã merece todo o respeito com seus estilos clássicos. Ainda bem que temos no Brasil alguém disposto a manter esta tradição viva. Sim, estou falando da Bamberg. Graças a ela pude ter uma noção da escola alemã e, depois de alguns anos de estudo, respeitar tal escola. E quem disse que uma breja alemã não pode ser complexa? Já experimentou alguma Bock, Doppelbock ou Eisbock DoppelSticke alemã? Ou até mesmo uma Weizenbock? A escola alemã vai muito além da German Pilsner, Helles Lager, Weizen, etc. E, mesmo assim, todos estes estilos mais "delicados", demandam um trabalho e uma dedicação absurdos. É até difícil não falar das brejas alemãs ao entrar no tópico "as melhores cervejas do mundo".

Gaffel Kölsch
Outro assunto pertinente: Medalhas! Mas, deixa pra lá…

Após divagar sobre as escolas cervejeiras, cada uma com suas caraterísticas e peculiaridades, temos uma reposta sobre qual é a melhor cerveja do mundo? Não. Pra mim, não existe melhor ou pior cerveja. A variedades de cerveja no mundo é gigantesca. Rótulos e mais rótulos surgem todos os dias. O gosto pessoal também influencia muito. É muito difícil você querer enfiar goela abaixo que a Westvleteren 12 é a melhor cerveja do mundo para quem detesta cervejas com predominância de malte e condimentos. A subjetividade aqui, predomina. Não existe uma melhor cerveja do mundo. Nem duas. Não caia neste discurso. Uma vez abri uma garrafa de Corona e mentalizei "A melhor cerveja do mundo é a que eu estou tomando". Não deu certo. Me senti patético. Cada um tem o seu "Top 10" (O meu está no rodapé da página). Isso é iminente. Faça o seu e seja feliz. Agora, lembre-se: é a sua cerveja favorita, e não a melhor do mundo.




sábado, 13 de setembro de 2014

A cerveja, o ego, a soberba e a falácia

Imagino que o sonho de todo mundo é poder conciliar trabalho e lazer; ou, pelo menos, estabelecer um equilíbrio nesta relação. Obviamente, quando você tem como lazer a apreciação de cervejas, esse sonho se torna mais convidativo. Flertar com a possibilidade de trabalhar com cerveja é algo espetacular. Lembro do período que passe delirando com esta hipótese. Basta ter força de vontade e coragem para nadar contra a maré. Seguir um sonho é difícil. Porém, uma vez conquistado, o prazer é imensurável.

Ao lembrar do início desta aventura, quando você ainda é um semi-virgem no universo cervejeiro, a fascinação e o deslumbre ocorrem praticamente todo dia. Cada gole de uma belga - escola até então desconhecida pelo leigo - se torna uma experiência inconfundível. Numa fração de segundos, a Delirium Tremens se torna a melhor bebida do mundo; o Delirium Café se torna sinônimo de paraíso; Bruxelas, um sonho distante; os mosteiros trapistas, quase que uma utopia. Beber Skol novamente? Um futuro distópico.

O mais legal, após entrar nesta nova onda, é encontrar amigos e colegas que usufruam do mesmo prazer que você. Grupos cervejeiros surgem - confrarias se tornam realidades mais próximas. Criam-se as AcervAs. E a discussão de mesa de bar, melhor aproveitada com informações sobre cervejas novas e experiências individuais compartilhadas. Neste momento, parece que o sonho começa a se tornar realidade. Todas as pessoas que fazem parte deste novo círculo são umas mais interessantes que as outras. Amizades emergem; camaradagens aparecem a cada garrafa de 750ml dividida nos bares afora. Aparentemente, todo mundo inserido neste mundo é uma pessoa para se levar pro resto da vida. Olhando "de fora", todo camarada que entorna um goblet de Rochefort é digno de ser levado a sério. O mundo da cerveja é perfeito. Será?

Após alguns anos dentro deste novo mundo - mesmo como apenas um mero entusiasta da bebida da Ninkasi - você começa a enxergar detalhes até então desconhecidos, quiçá olvidados inconscientemente pela empolgação e êxtase que outrora te deixaram cegos para defeitos. Os seus heróis cervejeiros começam a cair; sua admiração se torna mais seletiva; sua decepção com o mundo é iminente. Aqueles autores de livros que você venerava, uma hora são dilacerados com histórias cabeludas que você jamais julgara possível num meio cheio de boas-praça. Afinal, o que está acontecendo? Cadê aquelas pessoas fascinantes? Na verdade, é você que não está mais extasiado, inebriado com o álcool engarrafado. Você cresceu.

O fator definitivo para o famigerado choque de realidade: ingressar no mercado cervejeiro. Construir uma carreira, um nome dentro deste nicho da Zitologia. Até o parágrafo anterior, lidávamos com as desilusões Brasil afora. Éramos apenas meros espectadores desse duelo de egos. Aquelas discussões inócuas nos fóruns cervejeiros, onde um quer demonstrar que entende mais sobre cerveja que o outro, até então distantes daqui, transformam-se numa dura e patética realidade. O mercado cervejeiro é um mercado como outro qualquer: cheio de profissionais competentes, pessoas sedentas pelo aprendizado e dispostas a realizarem um trabalho satisfatório. Em contrapartida, existem os oportunistas, que só almejam lucro, sem sequer pensarem na fomentação da cultura cervejeira da cidade onde se encontram. Ocorre que, pretensões perversas como essas não podem aparecer transparentes; necessitam ser travestidas de paixão pela cerveja; de amor ao negócio. Na maioria das vezes, discursos falaciosos e tendenciosos são lançados em meios específicos na tentativa de angariar seguidores para uma história forjada. Recrutar entusiastas novatos é uma tarefa fácil e extremamente importante para quem necessita de cabeças sem vícios a fim de, qual um ferreiro, forjar uma faca. A mesma faca que entra aos poucos, almejando atingir o âmago do universo cervejeiro. E dói. Para quem se esforça há anos, na tentativa incessante de estabelecer novos paradigmas da cerveja dentro do seu estado, uma desconstrução covarde como a que acontece no Pará, dói demais.

Ninguém afirma que a ACervA é a instituição máxima e única da construção da cultura cervejeira dentro de um estado, pois, se formos olhar para fora, alguns estados do Brasil encontram segregações dentro das AcervAs por inúmeros motivos. Mas, posso afirmar com toda a certeza, que o afinco que os membros paraenses têm pela Associação é indiscutível. Existem erros e acertos. Mas, acima de tudo, existe a vontade de crescer e evoluir - a qual é constante. Dentro dela, as pessoas se ajudam e auxiliam uns aos outros, no intuito de que todos cresçam juntos: outro motivo pelo qual mantemos as portas abertas para toda e qualquer pessoa que se interesse pelo assunto. A facilidade de ingressar na ACervA Paraense é impressionante.

Ainda que os benefícios e facilidades acima mencionadas sejam claras e óbvias, muitas vezes a ACervA é apontada como responsável pela segregação (?) dos cervejeiros na capital. Não existe argumento mais falacioso, ridículo e energúmeno que este, visto todo o nosso esforço para angariar a maior quantidade de membros possíveis. Contudo cada um acredita naquilo que lhe for mais conveniente. Assim como muitas histórias surgem naturalmente, algumas outras são fantasiadas e moldadas para parecerem realidade. Panela não é arma de guerra. Cabe a você enxergar a verdade. Para dar-se ao luxo de exibir uma soberba desnecessária, tal qual um galo exibe sua crina, é preciso primeiro crescer, pois pinto não tem crina. Saúde.

terça-feira, 26 de agosto de 2014

O Puro Malte

Ah, os puristas… Esse povo legal que sabe o que faz e o que fala. No começo do ano estive na Alemanha, passando por Colônia, Berlim e Munique e tive a oportunidade de sentir de perto o esmero e o cuidado de um povo com as suas tradições. Obviamente bebi somente cervejas alemãs (seria um desperdício beber qualquer outra coisa em terras germânicas), mas foi em Colônia (Köln) que senti a força das raízes alemãs fincadas na cerveja. Ainda que tenha passado apenas um dia por lá, a busca por cerveja foi iminente. E, aos que conhecem a escola alemã, sabem que o estilo Kölsch surge nesta cidade. É Kölsch pra tudo quanto é lado. Não espere achar nada além disso. Ainda que eu tivesse noção do que significasse a Reinheitsgebot (Lei da Pureza) para os alemães, só consegui absorver a magnitude dela após visitar a Alemanha. Realmente é algo mágico.

Surgida em 1516, a Reinheitsgebot, ou Lei da Pureza alemã, mudou os paradigmas da cerveja no país. Criada pelo Duque Guilherme IV da Baviera, a Lei possuía inúmeras justificativas; uma delas era a contenção do uso do trigo na Alemanha, uma vez que o cereal havia sido recentemente incorporado às receitas da região da Baviera e da Boêmia (naquele tempo, esta parte da Rep. Tcheca estava sob domínio bávaro). Com isso, temia-se que faltasse trigo para os padeiros da época. Outro motivo pertinente para a implantação da lei era a obrigação do uso do lúpulo na cerveja - em substituição ao gruit (mistura de ervas bastante comum no séc. XVI), o qual era fornecido pelo Clero. Dessa forma, nenhuma cerveja poderia ser feita em terras germânicas, à época, com ingredientes além de Água, Cevada e Lúpulo. Obviamente, ainda não se tinha conhecimento das leveduras. A fermentação era atribuída à atividade divina (vide Deusa Ninkasi) - paradigma que fora quebrado somente séculos mais tarde, reflexo do trabalho brilhante de Loius Pasteur ao utilizar o microscópio para isolar as leveduras aptas ao trabalho.

Com o passar dos séculos, pequenas, porém significativas, modificações foram feitas à Reinheitsgebot, quais sejam: a incorporação da levedura aos ingredientes permitidos, e a substituição da palavra "cevada" por "malte" - o que automaticamente abrangia o trigo. Atualmente não há uma obrigação legal para seguir à risca a Lei da Pureza na Alemanha. Fale isso ao Fritz por sua conta em risco. Muitos criticam aqueles que seguem a Reinheitsgebot, alegando limitações de criação. Se você acha que fabricar uma cerveja APENAS com água, malte, lúpulo e levedura algo limitado, por favor, saia daqui. E mais: uma das cervejas mais geniais que já tomei na minha vida - algo que beirava o surreal - fora feita nos ditames da Lei da Pureza: Bourbon Bock da Brauerei im Eiswerk, projeto do mestre-cervejeiro da Paulaner, Martin Zuber. Veja bem: o bourbon fora incorporado à breja no momento em que ela maturou nos barris outrora utilizados para o destilado. Em momento algum a Lei fala de maturação em tonéis puros. Perspicácia e inteligência vão muito além de blendar 10 lúpulos numa mesma cerveja ou adicionar uma fruta que somente alguém muito próximo à matita-pereira conhece.

Voltemos ao Brasil. Aqui surgiu, sei lá quando, a figura do Puro Malte, o qual possui duas vertentes: sinônimo puro e simples da Reinheitsgebot ou a indicação de uma cerveja feita sem a adição de cereais não maltados (os famigerados milho e arroz). Assim, o Puro Malte se tornou, no Brasil, sinônimo de qualidade e excelência para uma cerveja. É uma afirmação capciosa, uma vez que é necessário analisar o contexto no qual se insere cada cerveja. A (enorme) brecha na legislação brasileira faz com que muitas cervejas se rotulem com denominações as quais elas não fazem jus - a exemplo das inúmeras cervejas Pilsners de supermercado. Bem ao lado delas, existem aquelas rotuladas como Puro Malte, a qual possuem preços sensivelmente mais elevados, atestando a sua qualidade superior. Será? E os antioxidantes colocados nela, será que não quebram esse status de puro malte? E as bexigas de peixe utilizadas (p. ex. na Guinness), será que fogem ao padrão brasileiro do Puro Malte? Fazem-se necessários inúmeros questionamentos antes de sair falando por aí que só é bebedor de Puro Malte. Como já diz Stephen Hawking: O maior inimigo do conhecimento não é a ignorância, mas sim a ilusão da verdade.

Já vi muito figurão por aí dizendo cheio de pompa que, hoje em dia, só bebe cerveja Puro Malte - enquanto segurava um cálice com uma belga só açúcar candi e especiarias; ou uma inglesa com açúcar - o qual fora utilizado como fonte de carboidrato para deixar a breja mais seca; ou uma cerveja com açaí. Seguindo esta linha, os homebrewers não fazem cerveja boa, visto que é muito difícil produzir, na panela, uma breja baseada na Lei da Pureza. Muito cuidado ao afirmar isso, pois já provei cerveja de panela bem melhor que breja de microcervejaria ou qualquer Puro Malte. Portanto, não se pode afirmar, aqui no Brasil, que uma cerveja que segue a Reinheitsgebot, ou que é considerada, nos ditames nacionais, Puro Malte, seja melhor ou pior que outra que não a segue. Tudo depende do contexto. Pense duas vezes antes de bradar aos quatro ventos, agora que você é um degustador-entusiasta-homebrewer-amante-das-belgas, que você só bebe puro malte. Você não bebe; eu não bebo. Acho que só os alemães fazem isso.

quinta-feira, 21 de agosto de 2014

Cada ocasião pede a sua cerveja - ou o milho nosso de cada dia

Cerveja está na moda. E antes que alguém fale que isto é uma crítica (que cerveja "especial" é mainstream ou hype), na verdade é algo muito bom. Cada vez mais pessoas se interessam pela cerveja além das gôndolas de supermercado - logo após terem uma experiência inesquecível com algum rótulo, digamos, diferente. Realmente é algo revolucionário nas nossas vidas. Lembro que, lá pelos idos de 2007, comprei um kit com 1 Erdinger Weiß e uma Dunkelweiß - além do copo que veio no pacote. A minha vida havia mudado.

A sucessão de rótulos no meu cotidiano veio com naturalidade. Hoje em dia, cá estou, respirando cerveja todo santo dia. E, claro, você aprende, empiricamente ou com muito estudo e dedicação, quais cervejas são tecnicamente boas ou ruins. Veja bem: tecnicamente; nada tem a ver com gosto ou opinião pessoal. Não se pode deixar faltar o bom senso. E mais: não se pode dizer que uma American Adjunct Lager é tecnicamente inferior a, por exemplo, uma Russian Imperial Stout ou uma Belgian Dubbel. Na minha humilde opinião, a técnica (ou a falta dela) se aplica intrinsecamente ao seu estilo -  jamais entre eles -, variando apenas com o padrão que você escolher para tal (seja o BJCP ou BA).

Pois bem. Aos já iniciados no universo da cerveja, e principalmente àqueles que acompanham nas redes sociais diversas páginas ligadas ao assunto, volta e meia se deparam com ataques às chamadas "cervejas de milho/arroz". Quando não, são chamadas de suco de milho, ou são associadas à uma garrafinha cheia de milho e arroz em comparação com uma cheia de lúpulo - como se o lúpulo deixasse a cerveja ótima.
Hoje em dia ocorre algo que, sinceramente, me deixa triste: comparações esdrúxulas entre cervejas e a falta de bom senso. Com a ascensão das cervejas ditas especiais, o ataque às cervejas populares se tornou recorrente entre entusiastas da cerveja, homebrewers e, pasmem, entre Beer Sommeliers. É praticamente uma heresia falar da InBev dentro de uma ACervA, já que, fui informado que Brahma & cia não são cervejas de verdade. O argumento predominante: a "cervejinha" é simples demais; é fácil de fazer; é de baixa qualidade; utiliza insumos de baixíssima qualidade (eu concordo com este último). Aparentemente a qualidade é medida pela potência do dry hopping.

Trocando em miúdos, é muito delicado acusar uma cerveja de possuir baixa qualidade, ou que os profissionais que as fazem não têm competência para produzir algo melhor. Será que é muito fácil produzir uma cerveja delicadíssima como uma American Adjunct Lager ou uma Premium Lager sem níveis aparentes de Diacetil ou D.M.S? Será que é facílimo produzir mil vezes uma cerveja exatamente igual? Ou será que é mais fácil produzir uma American Pale Ale qualquer com uma tonelada de dry hopping, onde será praticamente impossível de se verificar quaisquer off-flavors? Muitas perguntas devem ser respondidas antes de se tornar o paladino da "cerveja de verdade". Claro que num mundo ideal, nós encontraríamos, num dia ensolarado, uma Bamberg Camila Camila ou uma Pilsner Urquell em qualquer lugar a um preço justo. Infelizmente o Brasil ainda sofre com altos impostos para a breja.

Como o título sugere, cada cerveja tem a sua ocasião, por mais que ela seja "fraca" ou "de baixa qualidade". Experimente tomar uma Barleywine de 3 anos de idade ou qualquer coisa maturada por 6 meses em barris de Bourbon numa praia; você acabará com o seu e o meu dia (se eu souber disso). Agora experimente tomar uma Devassa Bem Loura ou uma Cerpa Draft nas mesmas circunstâncias. Não se prive de socializar com os seus amigos que, por algum motivo, ainda não embarcaram na mesma onda que você, somente porque não tem aquela cerveja que mais lhe agrada - ou qualquer outra coisa que você considere puro malte (isto, inclusive, será objeto de outro texto). Antes de achincalhar a cerveja, devemos analisar se ela possui, deveras, disfunções sensoriais - que impossibilitam o seu usufruto -, ou se ela apenas não atende às nossas expectativas. Não sou defensor de empresa A ou B. E sim, estou ciente que grande parte do milho utilizado na produção das American Adjunct Lagers é transgênico (logo, pode ser prejudicial à saúde); também sei como as gigantes do mercado cervejeiro massacram as microcervejarias com lobbys e doações para políticos; igualmente sei do problema que gerará a não inclusão das microcervejarias no Simples Nacional. Esta é outra discussão - mais profunda e seguindo uma vertente bem diferente destes escritos. Dessa forma, o fato de você só tomar cervejas que VOCÊ julga superiores não o faz mais ou menos entendedor que o feirante que só toma Glacial ou Brahma Fresh. Cuidado com a soberba cervejeira.